Coluna Anacrônicas - Vencemos o vento

Kenoite! Huk Huk Huk! A crônica de hoje só poderia ecoar um grito: Galooooooooooooo. Estou em êxtase, devo admitir. Estamos. Eu e essa Massa linda, que carregou o time nos braços nesses 50 anos que separam a primeira conquista desta de 2021. Torcida que ajudou a escrever esse enredo. Impossível não relacionar, de novo, duas das minhas várias paixões: literatura e futebol. Guimarães Rosa dizia que a sua obra pedia um leitor participativo. A Massa é esse leitor que a cada ano, a cada derrota ou vitória, escreve o seu capítulo. Que Massa é essa que cria um slogan assim: “Yes, We CAM, Eu acredito”.  Que em 2006, na Série B, gritava em estádios lotados: “Vamos subir, Galooo, vamos subir Galoo”. Que neste ano, sem medo de ser feliz, me sai com essa: “E o Galo? O Galo ganhou!” Claro que existem outras torcidas apaixonadas. Mas é fácil você ter uma torcida apaixonada enfileirando títulos. No caso do Galo, o que explica a fé da torcida num time que passa cinco décadas sendo zuada, cobrada por um título que ora não vem por pouco, ora por um esquema safado, que na cara-dura tirou o doce da nossa boca? Foram cinco vice-campeonatos, um deles invicto.  Quantos Lisos do Sussuarão atravessamos pra estar hoje soltando o grito de CAMpeão? Quantas batalhas épicas travamos, só pra citar duas: Libertadores de 2013, quando canonizamos um goleiro, e Copa do Brasil de 2014, com duas viradas sensacionais, uma em cima do Curíntia, com dancinha provocativa do Mano Menezes, e do Flamengo, quando, perdendo o jogo a torcida gritava “Eu acredito” e o narrador flamenguista ironizava: “Eu afirmo daqui, eu duvido”. KKKK. Pois é, Galo Doido, Inacreditável Futebol Clube.

Aqui em Matrix, numa noite gloriosa, em que oscilei entre o “Eu acredito” Eu não acredito”, a Galosampa lotou os bares, invadiu as ruas. Eu bem queria estar nesta festa, mas, como diz Riobaldo, me abaixaram os excessos de coragem de estar em bando neste momento ainda tão delicado da pandemia. Quando o jogo acabou, saí na janela do apartamento e gritei Galoooooooooooooooooooooo, ao que outra voz solitária cacarejou: Galoooooooooooo. Então me lembrei do poema do pernambucano 

João Cabral de Melo Neto: 

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro, e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

Mesmo depois de tantas crônicas maravilhosas do Fred Melo Paiva, do texto lindo do Mario Marra ilustrado por belas imagens na ESPN, do filme Lutar, Lutar, Lutar, em cartaz, há tanto a se falar, a analisar, tantos vieses por onde podemos navegar. Mais um belo e épico capítulo a ser publicado e impresso.

Mas uma coisa eu peço a essa Massa: não se deixem tomar pela soberba, pela arrogância. Não faz parte do nosso DNA, é feio demais. E, pelo que temos visto,

toda soberba, toda arrogância, será castigada. 

Guimarães Rosa diz que “Narrar é resistir”. Nós resistimos esses anos todos. O escritor Roberto Drummond, o mais atleticano dos atleticanos, gravou na nossa alma a mais bela definição da nossa fé: “Se houver uma camisa branca e preta pendurada num varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”. Cinquenta anos depois nós vencemos o vento, as arbitragens safadas, a CBF, a imprensa do eixo. Gostaria de terminar com uma frase nada edificante, que grito nas janelas do meu edifício, mas em respeito aos leitores paro por aqui. Viva nós!, CAMpeões com muita justiça! 

Por Regina Pereira