Imagem: Agência Brasil |
O feminismo tem ganhado cada vez mais força na sociedade brasileira.
Na internet e nas ruas, mais brasileiras estão se manifestando em defesa
da igualdade de gênero e do fim da violência. No ano passado, a Marcha das Margaridas e a das Mulheres Negras levaram milhares de militantes a Brasília para pedir melhorias para a vida de 51,4% da população brasileira.
A
secretária de Autonomia Feminina da Secretaria de Política para as
Mulheres, Tatau Godinho, avalia o que o fenômeno é muito positivo para o
combate ao machismo do dia a dia. “Estamos assistindo a uma camada
imensa de mulheres jovens darem um novo impulso à ideia de que a
igualdade entre mulheres e homens é uma coisa legal, fundamental para se
ter uma sociedade moderna, e que o feminismo não é uma pauta antiga,
está nas questões cotidianas”, disse.
Apesar da popularização do
debate, as brasileiras ainda precisam encarar problemas como as
desigualdades salariais, a pouca representatividade política e a
violência.
Tatau Godinho destaca que um dos principais obstáculos
a ser superado é a desigualdade no mercado de trabalho. “As mulheres
têm mais dificuldade de entrar e de chegar a cargos de chefia, e ganham
menos que homens cumprindo a mesma função. O machismo faz com que
mulheres sejam discriminadas no acesso aos melhores cargos”, avalia.
Apesar
de estudarem mais que os homens, elas encontram uma série de barreiras
no ambiente profissional. “Elas têm mais dificuldade de ingressar no
mercado. Em torno de 50% das brasileiras estão ocupadas ou procurando
emprego, enquanto a taxa de participação dos homens é de 80%. É uma
distância muito grande. Não combina com o século 21, não parece ser do
nosso tempo essa informação. E tem mais, as que conseguem entrar, têm
empregos mais precários”, avalia a técnica de Planejamento e Pesquisa do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Natália de Oliveira
Fontoura.
Segundo estudo da Organização para Cooperação do
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário médio de uma mulher
brasileira com educação superior representa 62% do de um homem com a
mesma escolaridade.
De acordo com o Ipea, a renda média dos
homens brasileiros, em 2014, chegava a R$ 1.831,30. Entre as mulheres
brancas, a renda média correspondia a 70,4% do salário deles: R$
1.288,50. Já entre as mulheres negras, a média salarial era R$ 945,90.
Segundo
a especialista do Ipea, um dos componentes que explica a diferença de
rendimentos entre homens e mulheres é o fato de elas ocuparem espaços
menos valorizados. “Os cursos em que as mulheres são mais de 90% dos
alunos, como pedagogia, se traduzem em salários mais baixos no mercado. E
os cursos em que eles são a maioria, como as engenharias e ciências
exatas, têm os salários mais altos. Há uma divisão sexual do
conhecimento”, explica.
Especialista no assunto, Natália ressalta
que não é possível entender a dificuldade das mulheres de entrar no
mercado de trabalho sem pensar que, via de regra, no Brasil, recai sobre
elas toda a atribuição do trabalho reprodutivo, que inclui os afazeres
domésticos não remunerados e os cuidados com a família, uma sobrecarga
que dificulta a evolução nos ambientes profissionais.
“A
responsabilização feminina sobre o trabalho reprodutivo explica a
inserção de mulheres de forma mais precária no mercado de trabalho, por
exemplo com jornadas menores, empregos informais e renda menor.”
De
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
2014, 90,7% das mulheres ocupadas realizavam afazeres domésticos e de
cuidados – entre os homens, esse percentual era 51,3%.
A
pesquisadora defende que não dá para pensar na solução para o problema
como um arranjo privado. “Hoje no Brasil a gente entende que as famílias
têm que se virar e, dentro das famílias, são as mulheres que geralmente
se responsabilizam. Isso é uma sobrecarga para as mulheres e vai
impedir que participem da vida social, tenham mais bem-estar, participem
da vida política e sindical, é um impeditivo para que mulheres ocupem
uma série de espaços sociais.”
“Para
que a sociedade se reproduza e toda a população tenha bem-estar, alguém
tem que garantir o cuidado a crianças e idosos. A quem cabe?”.
Ela
analisa que é importante que haja uma mudança cultural para que o
trabalho não remunerado seja visto como obrigação de todos e que haja
divisão das tarefas com os homens e com os filhos. Ela ressalta,
entretanto, que não se pode ficar esperando.
“O Estado precisa
assumir esse papel e oferecer serviços – tem que ter creche, educação
integral, transporte escolar, mais de uma refeição nas escolas,
instituição para atendimento de idosos, visitas domiciliares –, é um
leque de políticas públicas de cuidado que só estamos engatinhando. Não é
uma agenda do Brasil hoje.”
A iniciativa privada também pode
colaborar. “A gente ouve casos bem-sucedidos de maior flexibilização [de
carga horária], promoção da igualdade, co-responsabilização das
empresas. Mas, se não houver uma legislação para que as empresas sejam
chamadas e obrigadas a compartilhar essa responsabilidade, não vai
acontecer.”
Segundo Tatau Godinhho, a SPM trabalha com
iniciativas que contribuem para a melhoria das condições da mulher no
mercado trabalho. “As mudanças na legislação das trabalhadoras
domésticas, por exemplo, significou uma melhoria do rendimento e das
condições de trabalho dessas mulheres. Por outro lado, trabalhamos muito
com as políticas que o governo vem desenvolvendo para o aumento de
formalização do trabalho feminino. Quanto mais formal, melhor pago e
estruturado. A informalidade é um elemento extremamente forte na
desvalorização do trabalho feminino e na perda de rendimentos.”
O poder ainda é deles
Apesar
de o Brasil ter escolhido uma mulher para Presidência da República, os
cargos eletivos e os partidos políticos ainda são dominados por homens. O
Brasil está na posição 154 em um ranking da União Inter
Parlamentar (Inter-Parliament Union (IPU)) que avaliou a participação
das mulheres nas casas legislativas de 191 países.
A
socióloga Carmen Silva, da organização SOS Corpo e da Articulação de
Mulheres Brasileiras (AMB), avalia que vários fatores incidem para a
baixa representatividade de mulheres na política. “A primeira coisa é a
estrutura de desigualdade entre homens e mulheres na sociedade, no
mercado de trabalho. Existe uma imagem sobre o que é uma mulher na
sociedade, e elas ainda não são vistas como alguém de decisão, que
resolve, e a ideia da política é ligado a isso”, disse.
Carmen
defende que o fato de elas serem minoria também é explicado pelo sistema
político brasileiro, a base legal que rege o processo eleitoral e de
formação dos partidos. “O tipo de estrutura que temos no Brasil
inviabiliza a participação de setores que são minorias políticas na
sociedade, apesar de serem maioria numérica. As mulheres são mais de
metade da população, mas são menos de 10% nos cargos políticos, o mesmo
acontece com os negros. As pessoas em situação de pobreza não conseguem
nem se candidatar.”
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral,
6.337 mulheres e 15.653 homens se candidataram às eleições de 2014. Em
2010, 3.757 mulheres e 14.807 homens estavam aptos a concorrer às
eleições. Apesar do aumento da participação feminina de um pleito para o
outro, a proporção ficou abaixo dos 30% estipulado como mínimo pela
legislação eleitoral. “A sociedade ainda considera a representação
política como um espaço pouco adequado para mulheres”, avalia Tatau.
A
ativista explica que a AMB defende uma cota de eleitas, e não de
candidatas. “Defendemos uma reserva de vagas no Congresso. A forma que
temos proposto é que a eleição seja por partido, e não por pessoa.
Votaríamos nos partidos e as listas seriam compostas metade por
mulheres, metade por homens, e as vagas seriam divididas igualmente.
Claro que isso tem que ser associado à formação política, campanhas
culturais e melhores condições de vida para as mulheres”, diz.
Para
Carmen, outro ponto crucial e que tem impacto sobre as mulheres é o
financiamento das campanhas, que deveria ser público, tornando a ação
política um direito republicano, mesmo que a pessoa não tenha dinheiro.
Ela explicou que há projetos apresentados pela Frente pela Reforma do
Sistema Político na Câmara dos Deputados, “mas que não têm avançado como
a AMB julga necessário”.
Desde 1997 a legislação eleitoral
determina que as mulheres devem representar 30% do total de candidatos,
mas a eficácia da regra é questionada por especialistas por não prever
nenhuma sanção aos partidos que não preenchem a cota mínima de mulheres.
A lei diz que, nesse caso, as vagas que deveriam ser delas não podem
ser ocupadas por homens, mas não garante a presença delas.
Em
2015, a Lei 13.165 criou mecanismos para incentivar mulheres no cenário
político, ao determinar que 5% dos recursos do Fundo Partidário devem
ser investidos na criação e manutenção de programas de promoção e
difusão da participação política das mulheres.
Tatau avalia que
essas legislações trouxeram avanços, mas que, para mudar esse cenário, é
necessária uma reforma política radical que garanta paridade entre
homens e mulheres nas listas partidárias. “Isso também precisa ser feito
com um processo de mudança na organização político-partidária e
eleitoral. Não é só a legislação que precisa mudar”, avalia.
Ela
argumenta que a popularização do feminismo é importante, mas será ainda
mais relevante na medida em que se vincule a uma plataforma de
organização das mulheres por maior representação política.
Em 2015, a Secretaria de Política para as Mulheres perdeu o status de ministério e, junto com a Secretaria de Igualdade Racial e de Direitos Humanos, passou a fazer parte do Ministério da Cidadania. O fato foi avaliado pelos movimentos feministas como um retrocesso para a luta pelos direitos das mulheres.
“O governo federal está
enfrentando um processo de pressão econômica e de pressão da sociedade
muito forte. E foi nesse contexto que houve a junção das três
secretarias. Então ainda que consideremos que um ministério específico é
o ideal, porque foi isso que defendemos no processo de criação da SPM,
temos certeza de que vamos fortalecer a pauta das mulheres e não perder
com esse processo a necessidade de garantir que políticas para mulheres
estejam presentes. É um desafio.”
Fonte: Agência Brasil - Mariana Diniz/Edição de Lílian Beraldo
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