Quando a luz das tochas do grupo liderado pelo naturalista Peter Wilhelm Lund (1801-1880) iluminou o paredão de 15 metros, o homem viu pela primeira vez brilhar a cascata de cristais de calcário conhecida como Castelo das Fadas. “Nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte”, admitiu o pai da arqueologia e da paleontologia do Brasil, cercado por ajudantes ajoelhados agradecendo a Deus por aquela visão.
Pela primeira vez em Minas Gerais e na Gruta do Maquiné, no município de Cordisburgo, em 1834, Lund foi capturado pela beleza da cavidade rochosa. Mas também pelo seu valor científico, encontrando ali fósseis da megafauna, que ajudaram a explicar a evolução natural. Sua atração por Maquiné foi irresistível e o lançou às cavernas mineiras para o resto da sua vida.
A saga do dinamarquês em Maquiné completa 190 anos, em outubro, e a reportagem do Estado de Minas mergulhou na escuridão da cavidade rochosa além das áreas turísticas para mostrar galerias com formações raríssimas que Lund viu, como as delicadas flores de gipsita, e as fendas estreitas que são lar de animais que não existem fora dali.
Com permissão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais, o EM acompanhou parte dos trabalhos de campo do Opilião - Grupo de Estudos Espeleológicos (OGrEE) na Gruta do Maquiné, onde foram levantados os aspectos históricos, biológicos, arqueológicos, paleontológicos, geológicos, culturais, turísticos e muitos outros da trajetória de quase 50 anos de Peter Lund em Minas Gerais.
O trabalho é para a produção do livro "Gruta do Maquiné, 190 anos. Um ícone do Patrimônio Espeleológico Brasileiro", contemplado com financiamento e apoio da Plataforma Semente, do Ministério Público de Minas Gerais/Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente (Caoma).
“Maquiné é um imenso patrimônio natural, geológico, histórico e social. E a sua história está intimamente ligada à chegada de Peter Lund, da Dinamarca, em 1834, pois a história dele mudou a partir daqui e a caverna foi lançada para o mundo com a divulgação dos trabalhos que ele começou há 190 anos. Nosso trabalho é trazer luz para questões importantes relativas à gruta. E características únicas, como a fauna específica, que só existe aqui, e formações raríssimas como as flores de gipsita”, afirma o espeleólogo integrante do Grupo Opilião e doutor em história da ciência, Luciano Faria.
“Esse projeto é de grande importância, pois tem a função de proteção da gruta e mostra a importância do meio ambiente onde está inserida”, afirma Paula Grandi Leão Coelho, supervisora técnica da Plataforma Semente.
Ao todo, a Gruta do Maquiné tem 650 metros, dos quais 440 são abertos para os turistas, dispondo de iluminação, passagens demarcadas, escadas e rampas. São sete salões para visitação, mas há outros dois espaços aonde a luz não chega e que guardam tesouros raros como as chamadas flores de gipsita. Esses espaços estão interditados e não podem ser visitados.
Um deles é chamado de 6B, logo acima da sexta câmara, que é o Salão das Fadas. O outro espaço restrito foi denominado 7B e se situa após a sétima câmara, batizada pelo naturalista de Salão do Cemitério, conhecido como Salão Dr. Lund.
DA MINA AO TURISMO
Para chegar até as flores petrificadas, a rota é contornando as colunas e montes de pedra no caminho no sentido de um dos paredões. Contudo, o solo não chega até essa muralha rochosa, mas mergulha em uma profunda encosta. A descida também traz perigos. O solo é mais instável do que no restante da caverna, com várias grandes lascas de rocha amontoadas umas sobre as outras e que deslizam quando as botas fazem pressão sobre suas superfícies, levando ao solo os exploradores, já com suas mãos preparadas para aparar a queda e impedir que escorreguem fenda abaixo por cerca de cinco metros.
A descida contorna a face do paredão, e ao descrever a primeira curva, a luz da lanterna faz a parte inferior da estrutura natural brilhar como um céu pontilhado de estrelas. Flores com pétalas vítreas, algumas brilhantes e outras opacas, tomam conta da superfície rochosa, como se brotassem desse paredão e tendo abaixo um canteiro de cristais.
Algumas são pequenas, menores que as falanges de um dedo. Outras maiores, como as rosas de um buquê feito de joias pelos habilidosos ourives, lapidadores, engastadores e joalheiros de uma suntuosa corte. “Esse é um privilégio. Ver essas formações raras não acontece todos os dias”, disse o geólogo e fotógrafo de natureza Adriano Gambarini, integrante do projeto e impressionado pelas formas petrificadas, mesmo tendo percorrido os lugares mais fascinantes do mundo para os fotografar em 33 anos de carreira.
A flor de gipsita é composta por cristais desse mineral, que se formam em camadas concêntricas, muitas vezes em torno de um núcleo central. A formação ocorre quando a água rica em gipsita se infiltra nas cavidades da rocha. Ao evaporar, deixa os cristais depositados ao longo do tempo acumulando e formando os delicados espeleotemas.
A última missão na câmara proibida é vasculhar pelas 12 fendas existentes uma marca deixada pelo geógrafo Afonso de Guaíra Heberle, responsável pelo mapeamento da gruta em 1940. Uma missão difícil, uma vez que a marca pode simplesmente ter desaparecido, mas também uma oportunidade de conhecer a Maquiné que desce até as entranhas da Terra.
Algumas das fendas têm poucos metros de profundidade e terminam em orifícios que não comportam a passagem humana. Mas em outros, mesmo que rastejando ou se esgueirando comprimidos pela superfície rochosa, os espeleólogos avançam por dutos improváveis que de repente se abrem em pequenas câmaras.“Há s possibilidade de a marca ter se desfeito”, observa o integrante do OGrEE, Luciano Faria.
De acordo com o plano de manejo da gruta , a interdição do Salão 7B se justifica “pela alta concentração de espeleotemas e capas estalagmíticas frágeis em meio à rampa de sedimentos que cobrem o desmoronamento de acesso; pela presença de sedimentos pouco compactados em todo o piso do salão; necessidade de manter regiões da caverna mais próximas de suas condições naturais originais, para servirem como parâmetros de comparação com zonas mais antropizadas”, entre outros motivos.
Leia a matéria completa: https://www.em.com.br/gerais/2024/05/6851139-gruta-do-maquine-viagem-a-caverna-proibida.html
Por Estado de Minas
Fotos: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
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