De volta a Matrix depois de um périplo de 12 dias por Minas, a maior parte deles no Burgo do Coração. Retornar é sempre complicado, a melhor parte de nós fica vagando em dias e horas em que fomos tão felizes, tão abertos à beleza, ao deleite, tão generosos, tão gentis. Um viajante é um ser em desconstrução/reconstrução, quando se desapega do conforto da sua casa para enfrentar os desafios propostos pelo caminho, que não são poucos, dependendo do tipo de travessia que empreendemos.
Vou falar da parte festiva da Semana Rosiana mais adiante, em outro texto, mas neste momento em que escrevo, dia 26/7/2023, tenho de falar de questões incômodas, tocada pelas notícias que vêm da Europa, que arde em chamas, consequência do aumento absurdo das temperaturas, um triste recorde. E claro que não estamos imunes, mesmo em Cordisburgo já sentimos que os termômetros subiram alguns de(graus). Desde 2006, o meu primeiro ano na Semana Rosiana, nunca tinha passado tanto calor em pleno julho.
Vou começar pela mesa-redonda Paisagens rosianas, que provocou debates acalorados, com a fala do Peterson, chefe do Parque Grande Sertão, um núcleo de resistência em meio aos avanços do agronegócio, ou seria mais apropriado do ogronegócio? Os problemas que o Parque enfrenta não são poucos, a começar pelo minguado grupo de funcionários, os pivôs esgotando a água dos mananciais, as enormes estações de energia solar, que causam mais desmatamento, o veneno jogado nas plantações. A falta de corredores entre as unidades de conservação para garantir o trânsito e a diversidade dos animais. A ameaça da caça predatória. Eu estive lá em 2013 e vi cenas chocantes, como dezenas de araras confiscadas de caçadores. A lista de ameaças é imensa. Não houve quem não saísse da palestra com A pergunta: O que a gente pode fazer????? Ainda estou digerindo esta pergunta e penso que não terei paz enquanto não conseguir achar um meio de responder.
Aqui em Matrix também sou acossada por outro tipo de desassossego: a construção desenfreada de prédios. Também não tenho paz. Dia após dia lá se vão as casas que chamo de poesias de morar, com os seus jardins de camélias e quintais de pitangueiras, amoreiras, goiabeiras. No meu jardim ainda sou agraciada com o canto da corruíra, que, pasmem, incomoda muitos moradores. Mas me pergunto, até quando? Nesta semana um jacu se postou numa árvore aqui na rua e virou atração. Apesar da beleza dele a cena era degradante: ele veio atraído por um prato de ração para cães. De onde terá vindo? Por que veio? Para onde está indo? São faces diferentes da mesma moeda.
Na mesma mesa, a nossa amiga Mônica Meyer tão bem analisou a obra de Guimarães Rosa do ponto de vista da natureza quando enfocou “As margens da alegria”, um instantâneo da construção de Brasília, o início da ocupação desenfreada do cerrado. E concluiu que no passo em que vamos o cerrado só vai existir mesmo como um relicário inscrito principalmente em Grande Sertão: veredas, o livro.
Na Caminhada Literária me demorava nas flores que ornavam as estradinhas que percorríamos ouvindo as narrações de textos sobre as paisagens rosianas. Mais do que admirar a beleza mera delas, tentava ouvir o recado delas, na verdade um grito: Socorro. Estarão ali até quando? As próximas gerações correm o risco de caminhar ladeadas por eucaliptos?
Antes de ir embora, fui me benzer com seu Murilo. Enquanto esperava por ele observei assustada que a plantação de eucaliptos quase engole o quintal da casa onde ele cultiva as ervas com as quais nos benze. Seu Murilo, benzedor e integrante da Guarda do Rosário, é guardião de ancestralidades fadadas ao extermínio. Saí da casa dele mais leve por causa do benzimento, mas carregada por mais questionamentos.
Para dar conta de continuar e não sucumbir vou terminar esta crônica com as reverberações do esquenta para a Caminhada, Di Souza nos emocionando com uma fala em que nos convida a cultivar um jardim que seja e da bela mensagem de esperança da canção do Jean e do Paulo Garfunkel, “Filhote do filhote”, tão lindamente interpretada por ele e pelas suas gêmeas. Tudo começa pequeno e cresce depois. As microações são tão importantes quanto as macroações. Vamos resistir, pela beleza e pela ação.
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