No dia 19 de novembro completam-se 55 anos sem a presença física de Guimarães Rosa, mas a sua presença literária só se avoluma, com novas traduções sendo preparadas, para o alemão e o inglês, com o número de leitores, devotos e iniciados só crescendo. Estive uns dias no Rio e passava a toda hora em frente ao portão com o número 33 na rua Francisco Otaviano, em Copacabana, com vista para o Arpoador. Da janela do Edifício Ícaro Rosa deve ter contemplado com olhos de deslumbramento o sol se pondo no mar. O hábito de bater palmas coletivamente neste momento mágico data de 1968, por pouco Rosa não esteve lá aplaudindo também. O nascente de Guimarães Rosa foi no sertão, mas o seu poente se deu no mar. Ele cumpriu a sina de mineiro no Rio, como tantos outros, entre eles Drummond, Fernando Sabino, Pedro Nava. Eu também, mesmo que por breves períodos, passo lá para carimbar o meu passaporte. Então hoje ofereço uma croniquinha, uma pequena louvação à Cidade Maravilhosa e ao mar, esta entidade que nós mineiros adoramos, e uma provocação/convocação no fim.
A segunda vez que vi o mar foi no Rio de Janeiro. Mineiros sonham com o mar desde o útero, acho. Alguns se vão sem nunca avistá-lo, como meu pai. (A primeira vez que vi o mar foi na praia do José Menino, em Santos. Meu pai não foi. Alguém tinha de ficar em casa tomando conta do galinheiro). Alguns se conformam só com imaginá-lo. “Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?”, concluía Miguilim lá pras bandas do Mutum. “Dos meus, só eu conheço o mar. Conto e reconto, eles dizem ‘anh’. E continuam cercando o galinheiro de tela”, poetiza Adelia Prado. Entre a primeira e a segunda vez que o vi se passaram oito longos anos, e eu tinha sede de mar. Aos 15, depois de uma noite expectante num busão, fui recebida no Rio por um de meus irmãos que para lá se mudara. Mas este, ao contrário de 99% dos mineiros, detestava morar lá. Por que Deus dá asas a cobras? Ele se estabelecera na Tijuca, longe do mar. Então implorei: “Primeiro me leva pra ver o mar”. E ele me conduziu a Copacabana na barra do dia. Meus olhos, um oceano. Aquele mundão de água, montanhas líquidas, desafios da impermanência, tão diferente das montanhas da minha terra, sempre estacadas no mesmo lugar, esfinge a nos devorar. E neste Rio da segunda vez que vi o mar eu zanzei pela cidade machadiana, eu pensei que fosse dar de cara com Capitu saindo de alguma daquelas casas em que moravam uma alcoviteira e um agregado. Eu me lambuzei de azul, do mar e da Portela, por quem bate meu coração até hoje. Depois disso, inúmeras vezes eu revisitei a cidade. Outro irmão pra lá se mudara, agora pra perto do mar. Mas esse amou o Rio exatamente durante os cinco anos que lá ficou, nem um dia a mais.
Ô minerim ingrato. Os tempos eram outros, e minha praia era Ipanema do pós-desbunde. Até hoje, quando volto, é com o coração aos sobressaltos que avisto o Redentor. O Rio é uma sede que nunca passa. Uma saudade de épocas que não vivi.
No Leme Clarice Lispector e seu cão Ulisses ficaram eternizados em bronze. Em Copacabana, um Drummond também de bronze não dá conta de tantos corações enumeráveis que querem lhe fazer carinho, sussurrar segredos no seu ouvido. Mais adiante Caymmi nos saúda cantarolando “o mar quando bate na praia é bonito é bonito”.
Espero que muito em breve, na calçada do Arpoador, alguém providencie um Rosa bem bonito pra gente reverenciar em romaria, respondendo a pergunta de Miguilim:
“Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?”
No Jardim Botânico tem uma sumaúma do Maestro Soberano, Jobim, com placa e tudo. E num é que o carioca roseano Marcos Alvito encontrou também buritis. Urge encomendar uma placa para colocar ao pé de um deles: “O sertão está em toda parte”.
Por Regina Pereira
COMENTÁRIOS