Desde 2006, quando fui pela primeira vez a Cordisburgo na Semana Roseana que comemorava os 50 anos de Grande Sertão: Veredas, como muitos sabem me tornei uma Devota do Rosa, junto com um bando que só faz aumentar. Já vi muita demonstração de fé na literatura, muita loucura sendo praticada em nome de João. Uma hora dessas quero fazer uma lista desses desacontecimentos importantes. Mas hoje vou me concentrar em um destes devotos, Marcos Alvito. Um roseano autêntico, pois que batizado nas águas do Urucuia em 2016, quando, segundo ele, se libertou da masmorra acadêmica.
Ele é meu amigo virtual, ou, mais que isso, me escolheu como sua madrinha em Rosa. E eu aceitei a incumbência, e junto com o Brasinha nos tornamos os padrinhos do projeto que ele concebeu e realizou com muita fé, o curso Lendo Grande sertão: veredas em Urucuia para professores e alunos do Ensino Médio, com todos os desafios que uma empreitada dessas traz. Ele diz que a motivação foi retribuir tudo o que a literatura de Rosa tem dado a ele nesses anos todos. E no mais autêntico espírito roseano diz: “Sou bicho professor, é só assim que sei estar no mundo, sempre querendo aprender e, se for de interesse para alguém, compartilhando o aprendido. Porque eu sempre digo para os meus alunos que agora não sou professor, sou guieiro, aquele que vai à frente da comitiva tocando o berrante e apontando os caminhos para os outros vaqueiros. É que a prosa de Guimarães Rosa é poesia, ambígua, metafórica, sempre aberta novas interpretações. Mais do que decifrar ou explicar, o papel do guieiro rosiano é permitir que os alunos e alunas escolham suas próprias trilhas”.
Um Grivo que há mais de um mês tem dado diariamente notícias do sertão num belo diário que anda a escrever e que publica na internet. Onde podemos acompanhar toda a trajetória que começa de maneira empírica com Alvito narrando a estória de Grande Sertão: Veredas para um barqueiro que o levara para fotografar pássaros no Urucuia, dando corpo ao suceder durante muitos meses, a campanha para arrecadar exemplares suficientes para todos os alunos e professores, as descobertas diárias dos tipos roseanos que se materializam diante do seu aguçado espírito observador, as epifanias e, como não poderia deixar de ser, os dissabores: a destruição do cerrado pelo agronegócio.
O meu café da manhã aqui em Matrix tem sido o texto do dia, me colocando próxima dos personagens, das paisagens, e sobretudo do alento em saber que, apesar de toda destruição, há, sim, pessoas resistindo e pensando em dias melhores para o sertão.
Hoje, 28 de maio, é o último dia dele por lá. Amanhã ele faz o trajeto de volta para o Rio de Janeiro. Sim, esqueci de falar, ele é carioca, e faz o caminho inverso dos mineiros, que sonham com o mar desde o útero. Ele sonha com o sertão. Vou sentir saudades do diário e também das nossas conversas pelo zap, em que fundávamos um reino, uma igreja branca no Chapadão, a do Evangelho Roseano dos Primeiros Dias.
Há 70 anos Rosa atravessou o sertão montado na mula Balaika. Neste maio tão caro ao nosso escritor Alvito palmilhou o sertão conduzido pelo Burrinho, como chama o seu carro, pela Agripina, como chama seu Waze, e pela firme determinação de ser agraciado com uma epifania por dia. Quando não pelo menos por uma alegriazinha. E nestes mais de trinta dias o nosso Grivo nos legou um documento pleno de descobertas e emoção. Benditos sejam os Grivos que fazem a travessia e nos trazem “O quem das coisas”. Benditos os que fazem a ponte entre os vários Brasis. “O Brasil não conhece o Brasil”, mas precisa conhecer pra respeitar e preservar as suas singularidades. Alvito plantou uma grande semente em Urucuia. Torço para que esta semente se espalhe por toda a geografia do sertão roseano. E por que não se espalhe por todos os outros sertões, como o euclidiano, o graciliano, o ricardoguilhermedickiano?
Não pensem que este texto é apenas elogio de madrinha. Vou deixar que vocês tirem as suas próprias conclusões fazendo a travessia ao ler os diários, disponível neste link. Boa leitura!
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