“Aí mês de maio, falei, com a estrela-d’alva. O orvalho pripingando, baciadas. E os grilos no chirilim. A gente estava em maio. Quero bem a esses maios, o sol bom, o frio de saúde, as flores no campo, os finos ventos maiozinhos.” Assim Riobaldo disse daquela madrugada no São Gregório.
Inicia-se um mês especial. Foi em maio que Guimarães Rosa fez a emblemática viagem de 40 léguas pelo sertão no lombo da mula Balalaica, junto com os vaqueiros que conduziam uma boiada da Fazenda da Sirga, os arredores de Andrequicé, até a Fazenda São Francisco, cerca de Cordisburgo. E foi em maio também que ele deu à luz a uma das epifanias dessa travessia: Grande Sertão Veredas!
A propósito, estou translendo os relatos A Boiada, publicados pela Nova Fronteira. Ali estão, em estado bruto, muito de Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas. Muito da poesia desse sertão que foi mudando “no devagar depressa dos tempos”: a lista do que seu Joãzinho comerciava na venda no Porto do De Janeiro, local do primeiro encontro, uma relação detalhada de espécies de abelhas, de bois, suas cores, os nomes e os cantos dos pássaros, um grande inventário digno desse fabuloso macromundo.
Muitas décadas depois, a viagem da Boiada continua reverberando em nós, naturalistas modernos empunhando máquinas fotográficas e celulares, anotando tudim digitalmente. Será que Guimarães Rosa tinha ideia de que uma viagem que ele fez “para restituir saudades” ia durar tanto, ia setentar com tanta comemoração?
E nesse maio de 2022, já um pouco mais libertos da pandemia, graças à vacina e à ciência, muitas notícias nos dão conta de que o sertão está em festa.
Em Cordisburgo acontece o Colóquio internacional Primeiras Estórias, com abertura no dia 5 de maio no Museu Casa Guimarães Rosa, com aula ministrada pelo Professor Dr. Michel Riaudel, da Universidade Sorbonne, que falará sobre o conto "As margens da alegria". E a programação se estende até agosto com palestras contemplando todos os contos de Primeiras Estórias, com transmissão pelo YouTube Siruiz.
Já no Urucuia, o rio de amor de Riobaldo, meu amigo, o professor carioca Marcos Alvito, está dando corpo ao suceder num projeto maravilhoso, um curso sobre Grande Sertão: Veredas para mais de 60 alunos do Ensino Médio. Cada aluno e todos os professores terão um exemplar do livro pra chamar de seu graças a uma campanha de doação feita pelas redes sociais. Acompanhem esta bela travessia lendo o diário de viagem dele em https://www.facebook.com/profile.php?id=100009845288246, https://www.facebook.com/universidadelivredoalvito, e na página Saudades de Rosa e sertão, https://www.facebook.com/groups/2636217103315244 .
Meu amigo vascaíno-atleticano Evandro Von Sydow Domingues passou, como o diabo, lá pelas bandas de Andrequicé e carregou o Geraldo Borges, marido da Dallena Freitas, pra conferir o cenário da última batalha, o Paredão, e procurar o batistério de Diadorim em Itacambira.
Morro da Garça e Andrequicé também se agitam para festejar os 70 anos da passagem de Guimarães Rosa com a Boiada. Brasinha e esse povo todo ciceroneando a equipe do Globo Rural que veio documentar a efeméride.
Confesso que meu coração se aperta de tanta saudade e dá uma vontade de estar lá no meio dessa narquia. Mas julho está logo ali, e na Semana Roseana estaremos todos juntos, numa festa de dar inveja. Já reservei meu cantinho com a Juanita na Casa da Árvore.
Tem uma pendenga que adoro ter com Brasinha e Darci sobre a invasão do sertão pelos Devotos do Rosa. Darci acha que Guimarães Rosa fica com entojo de ver tanta gente e se escafede. Brasinha, e eu sou da mesma opinião, pensa que ele é só felicidade vendo tanta gente que perdeu o trem pra Barbacena nesta algaravia literária.
“Estar no sertão é estar no meio de todas as alegrias e de todas as grandiosas comoções”, Guimarães Rosa disse. “Era maio, amadurecidos os capins, agradáveis manhãs e tardes”. Vamos nos dar ao luxo, depois de tanta privação, de curtir cada aurora e cada poente deste mês tão especial, pra ele e para nós.
COMENTÁRIOS