Hoje, 25 de março, nos 114 anos do Galo, o relato de
um dia muito engraçado. Os exageros da estória são por conta da cronista, que
vira e mexe carrega nas tintas. Como dizia o poeta Manoel de Barros, “Noventa por cento do
que eu escrevo é invenção. Só dez por cento é
mentira”.
Eu tinha esperado demais da conta aquele domingo de
2007. O meu glorioso Atlético Mineiro
tinha saído das profundezas da Segunda Divisão, onde eu também me exilara
provisoriamente, frequentando, pra desespero do marido, estádios como o
Canindé, onde sempre se aprende palavrões inusitados com as velhinhas de bigodes
da Leões da Fabulosa.
A Galosampa, torcida de mineiros desgarrados em São Paulo, entrou na minha vida
pela internet, pelo extinto e jurássico Orkut. Seria a minha primeira vez. Mas
o caminho da iniciação foi tortuoso. Precisava de uma boa desculpa pra sair. O marido
gostava de futebol, mas odiava a turba. Dizer a verdade era briga na certa.
Optei por uma meia-verdade:
– Então... Vou encontrar um povo de
Beagá.
Uai, mentira não era, o que deixava minha consciência mais leve.
Subi a Teodoro Sampaio com o coração de torcedora na mão e o manto sagrado do
Galo bem escondido no fundo da mochila. Marcos, vulgo Sô Belico, um dos
fundadores da torcida, me esperava. A ansiedade me fez chegar cedo. Meu recente
quase amigo ainda trabalhava em sua cabine do Metrô Consolação. De lá fomos para uma garagem subterrânea no Trianon.
Eu estava confusa: – “Onde estou com a cabeça? Outro dia mesmo proibi meu filho
adolescente de encontrar um amigo virtual”. No túnel pensei no povo lá em casa vendo
jogo pela tevê, em mim dentro de um carro branco, num pontinho do Google Maps. Aliviada
cheguei num pé-sujo: Morruga’s Bar, um planeta totalmente atleticano em Matrix. Então não era um engodo, uma lenda urbana? Esse
ponto de encontro existia, de se pegar. Mas... cadê as mulheres? Só eu e aqueles
marmanjos uniformizados respondendo às provocações de são-paulinos e curintianos
que passavam. Entrei no clima, respondia à altura. Português, o dono do bar
enfiou a tomada no 220 e queimou o aparelho. O jogo quase começando.
– Vamos pra casa do Gui, é perto, ele
tem Net, a gente compra o jogo e uma caixa de cerveja. Parecia uma boa ideia.
Naquela altura, erámos eu e um bando de
rapazes num apezinho minúsculo. Pensava: – “Está tudo bem, até agora”. Mas
rezava de vez em quando pro meu anjo da guarda, não custava. Mas logo chegaram
as meninas, umas sozinhas, outras com os namorados. Ufa, afinal era mesmo um
ambiente bem familiar. O celular toca. Como responder a uma pergunta tão
simples: – Mãeeee, oncetá?
Bebi um pouquinho naquele dia, confesso. Voltei pra casa de carona com um casal que conheci um ano antes no Estádio
Bruno Daniel, num Santo André 1 x Galo 2. Dado o meu estado, acertar o portão de
entrada do prédio foi quase uma façanha. Pra piorar descobri que estava sem a chave,
e em casa todos já dormiam. Torrei a campainha e o interfone de tanto tocar. Já
que morava no primeiro andar, tive a brilhante ideia:
– Geones, pega a escada, vou entrar pela janela que está aberta – implorava pro
porteiro, evangélico.
– DonRegina, com todo respeito, a
senhora não tem condiçã de subir naquela
escada não.
Com a lucidez que me sobrava, obedeci. Enquanto esperava, ele me ofereceu café, eu
tomei. Finalmente a moça que trabalhava em casa entendeu a situação e me abriu
a porta. Eu só queria dormir.
Passada a rebordosa, imaginei a versão do porteiro, exagerada, no day after:
– Chegou da esbórnia, num estado, que
nem o marido quis abrir a porta. Ficou aí sobrando, que nem jiló na mesa. Lá no
13 é assim: o marido fica em casa vendo jogo pela TV e a mulher vai pro futebol
com os amigos. Contando assim, parece que fui eu que bebi.
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