Coluna Anacrônicas - Carpe diem!

Andei enrolada com tantas demandas urgentes e, quando me toquei, lá se foram quase dois meses do ano que ainda há pouco aguardávamos e julgávamos seria novo. E o que temos de novo? Não muita coisa, o mesmo vírus com variações no nome. O mesmo desgoverno que insiste em nos deixar à deriva, a mesma resistência de muitas pessoas de tomar os cuidados sanitários elementares, como uso de máscara, higienização das mãos, distanciamento. A boa notícia é que estamos vacinados e que estamos a vacinar os miúdos, que antes não eram tão duramente atingidos, mas que passaram a fazer parte dessas tristes estatísticas. Mas quando nos livraremos deste ser tão assustador nem a ciência consegue ainda responder. À pandemia se somam-se o pandemônio, as enchentes que destroem vidas, em São Paulo, na Bahia, na região serrana do Rio e em Minas Gerais. Cidades que não dormem com medo dos rios, das barragens prestes a romper. Vivemos uma constante distopia, que já conhecíamos dos filmes de ficção científica.

Mesmo com este cenário, e a despeito dele, precisamos de estratégias para atravessar esse enorme Liso do Sussuarão que está aí. Afinal estamos no terceiro ano da pandemia. Em março de 2020 acreditávamos que em setembro o vírus graciosamente teria se cansado da brincadeira e que viveríamos o “O novo normal”, termo que acabou se dissipando e que nem ficamos sabendo direito a tradução em linguagem de dia de semana. Se perdeu em meio às nossas esperanças de que a humanidade ia repensar suas relações, construir novas pontes, abraçar causas edificantes, se comprometer com o meio ambiente, se redimir. Mas, assim como as resoluções de Ano Novo perdem a força na primeira semana de janeiro, essas, que envolvem o coletivo, se perderam na neblina dos meses e dos anos.

Apesar de toda lama, a real e a metafórica, urge resgatar a esperança da frase Roseana “Um menino nasceu, o mundo tornou a começar”. Esse menino tem de renascer em nós todos os dias. Renascer nas pequenas atitudes, no mantra do profeta “Gentileza gera gentileza”. Quando tudo fica turvo, me lembro da Dona Lourdes, lá de Andrequicé, que do alto dos seus 80 anos colhe as pitaias que ela mesma plantou num terreno em frente à sua casa e que pacientemente molha com um regador, porque lá a água encanada não chega, que borda caprichosamente frases e paisagens do sertão, que toda quarta-feira está lá, firme na nossa Roda de Leitura. Sejamos todos Dona Lourdes

Vamos com as próprias mãos cuidar um pouquinho que seja desse planeta tão maltratado. Vamos plantar flores no jardim de casa, do prédio, vamos plantar árvores nas calçadas, de preferência frutíferas, para atrair os pássaros. Vamos cuidar da praça perto de casa. Vamos plantar arte nas escolas.  Vamos plantar paz, vamos educar para a paz, gerações inteiras, até que os conflitos sejam pálidas lembranças. Vamos plantar sonhos nesta dura realidade. Precisamos resgatar o exercício de sonhar. Vamos, como diz dona Adélia Prado, viver vergados de motivos, de bons motivos. Porque, senão, vamos encardir de tristeza.

Acredito cada vez mais que as micropolíticas, as microações, somadas, darão o tom de uma macropolítica. Vamos aprender e ensinar a ser cidadãos. Vamos fazer o mundo tornar a começar todos dos dias. Esta é a minha mensagem de um ano não tão novo assim. Mas sempre é tempo de recomeçar.