É com os olhos ainda molhados que escrevo esta crônica. Aliás, olhos marejados têm sido a tônica deste último mês tão mágico, tão especial, tão redentor para nós, atleticanos, enfileirando duas conquistas importantes, dois bicampeonatos tão merecidamente nossos.
E essa
emoção mais recente veio de assistir Lutar
Lutar Lutar, que caiu tão bem neste ano.
Não por acaso um filme que tem os dedos, a mão e o coração de Fred Melo Paiva,
que nos seus textos no Estado de Minas
tão bem define o que é ser atleticano. O depoimento dele sobre o impacto nele, ainda
menino, de uma das páginas mais vergonhosas da arbitragem brasileira, a
expulsão de cinco jogadores do Galo pela Libertadores, contra o Flamengo, é emblemático,
preste atenção. Jogo que bem define o que tem sido a nossa luta: embates com o
bando dos Hermógenes do futebol.
Não tinha tido coragem de ir ao cinema, por
causa das implicações da pandemia, e esperava ansiosamente poder assistir em
casa. Agora foi liberado na plataforma Maniva. https://www.salamaniva.com/filme/lutar-lutar-lutar/. Mas corra, que estará disponível
apenas até 16 de fevereiro. Recomendo, assista, uma, duas, três vezes, quantas
a sua emoção pedir. Assista sozinho, assista com a sua galera, com os seus
filhos.
É um
retrato pungente da nossa história, um documento que registra a dor e a alegria
de ser atleticano. Inclusive a dos momentos em que fomos descaradamente roubados,
aviltados, assaltados, sem nunca perder a dignidade. Pra quem viveu essa
história, reviva. Pra quem viveu parte dela ou está começando agora é uma bela
lição, de encher de orgulho.
E de novo
não tem como não voltar ao tema recorrente, comparando futebol e literatura. Não
por acaso, nos primórdios, entre os nossos jogadores estava Aníbal Machado, que
se tornaria um grande escritor. E foi outro escritor, Roberto Drummond, que
criou a frase que nos sustentou esse tempo todo: “Se houver uma camisa
branca e preta pendurada num varal durante uma tempestade, o
atleticano torce contra o vento”.
A história
do Galo sempre foi épica, desde o seu nascimento: o sonho de um bando de
garotos de 14 anos, que carpiram com as próprias mãos o primeiro campo de treino.
Um sonho embalado pela ajuda de uma mulher, Alice Neves, que confeccionou os
uniformes e também incentivou a criação de uma torcida feminina, inicialmente
50 meninas. Imagine isso em 1908. O time mais velho de Minas sempre foi o time
do povo, ao contrário do América, que se definia como da elite. E diferente do
Palestra, que era um time de colônia. No Galo cabiam todas as classes, todas as
cores. E era o time de toda Belo Horizonte, quando a capital era um sonho em
construção, com pessoas vindas de todo o estado. “E o Galo veio para costurar
essa colcha de retalhos do nosso tecido social, o time do pobre e do rico, do
homem e da mulher, do preto e do branco”, enfatiza a narradora. Alexandre
Khalil conta que o avô, que nunca pisou num estádio, era cruzeirense, mas que o
pai, por influência do vizinho, negro e atleticano, não teve como não se tornar
galista.
Eu, que
sempre torci sozinha, morando em São Paulo, a não ser depois que descobri a Galosampa,
me vi representada nas imagens fortes de uma torcida que nunca se entrega.
Me vi representada na alegria e na tristeza da Massa. Me vi irmanada neste
sentimento tão grandioso que é pertencer.
“Nós fomos
forjados no sofrimento. O cara que é forjado no sentimento da alegria, do
título, é um bobo, ele não tem profundidade.” As palavras de Alexandre Khalil
me remetem à construção do personagem literário, como Riobaldo, forjado na
luta. Nas batalhas épicas, na epifania de se descobrir vivo, mesmo depois das derrotas,
de sobreviver a todas as lutas e contar a sua história de uma maneira poética.
Talvez no mundo inteiro nenhum time e nenhuma torcida tenham uma história
dessas pra contar.
Encerro
este texto com as palavras emocionadas do comentarista da Espn Mário Marra, que
de novo me fez chorar:
“Aí chega
o dia. O grito de campeão está solto, o mais legal é a percepção de que o grito
de campeão está liberado, pode até colocar um bicampeão antes. Mas é mais
agradável gritar Galo. Porque Galo e um grito aberto, é um grito alto, que sai
do coração. Campeão é legal, só que está na boca de todo mundo. Ano que vem
outro vai cantar. Daqui a não sei quanto tempo outro vai cantar. Mas o grito de
Galo pertence a todo atleticano”.
Quem quiser assistir o depoimento todo aí vai o link: https://www.facebook.com/watch/?v=910514099589387
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