Depois de quase dois anos, o coração do torcedor bate de novo mais perto dos times, com a volta do público aos estádios. Uma amiga, muito delicada, sempre me perguntava como eu, que amo literatura, carrego esse amor exaltado também por um time, que nem preciso dizer qual é. Ela, como muita gente, acha que são paixões excludentes. A resposta que dei a ela está na crônica de hoje.
Muitos não entendem como eu, amante da boa literatura, apaixonada com Julio Cortázar e Guimarães Rosa, me deixe tomar também pela paixão por um time, no caso o Atlético Mineiro, Galo para nós, torcedores. Eu, que narro textos literários, durante as partidas de futebol também grito impropérios nada edificantes nos estádios e nas janelas dos edifícios. Às vezes fica difícil explicar, mas eu tento. O bom futebol é como a boa literatura, a literatura de alta tensão, como as de Graciliano, Rosa, Cortázar, Osman Lins, Ricardo Guilherme Dicke e tantos outros que não cabem aqui. Um bom jogo tem tramas que a gente nem imagina quando senta pra assistir a uma partida. São lances pra rememorar a vida toda. A alegria de ver um futebol bem jogado, como um texto bem urdido, a beleza de um estádio lotado com a vibração que o percorre. Uma boa partida nunca termina, como um bom livro segue vida afora com a gente. Eu como atleticana sei que vivemos momentos muito difíceis nesses anos todos, mas a essência do Galo permanece esta: intensa! Sei que vou trazer tatuado na alma o pé do Victor, nosso goleiro-herói, meu Riobaldo das quatro linhas. Claro que tem jogo ruim, como tem texto ruim. Mas esses a gente esquece, descarta. A paixão também faz coisas que nem eu entendo. A queda, a segunda divisão, foi também um momento de intensa paixão, de recomeço. Ainda me lembro de estar no estádio Bruno Daniel, Santo André 1xGalo 2, com tanta neblina que às vezes era preciso intuir o jogo. Esse período foi nosso Liso do Sussuarão. E atravessamos. Na Libertadores de 2013, no dia do jogo com o Newell's Old Boys, decisivo, eu estava em Cordisburgo, garrei com São José, e, naquela madrugada gelada, de joelhos, fui da casa de Dona Luzinha até a capelinha azul para cumprir promessa por termos passado de fase. Estou falando do que acontece em campo, das batalhas épicas. Acreditam que todo ano, no aniversário do título da Libertadores, eu me pego vendo o filme O dia do Galo, que narra este dia épico, e fico nervosa, como se não soubesse o desfecho? Assim como leio Grande Sertão como se fosse sempre a primeira vez e não soubesse a identidade de Diadorim e como tudo termina. Em futebol, os bastidores, as politicagens, os favorecimentos, as arbitragens safadas, sei que existem, me deixam puta, mas ainda não conseguiram fazer com que eu deixe de gritar Galooooooo a cada gol. Assim como gritei “Lindo, eu te amo”, quando vi, no documentário Outro sertão, Guimarães Rosa vivo, pela primeira vez, na tela do cinema. Uma paixão não exclui a outra.
PS: Ficou provado que João Rosa era atleticano, tão atleticano que nasceu no mesmo ano que o Galo, 1908, apenas dois meses depois! Tão atleticano que recebeu a delegação do Galo em Paris, em 1950, quando fomos Campeões do Gelo, e até fez um poema que se perdeu, mas ainda vamos achar. Por isso sigo gritando: Galooo, Rosaaa!
Por Regina Pereira
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