“Em lombo de cavalo, que nem vaqueiro velho, virei, ajudando a tanger uma boiada”- JGR.
Sabedor do desejo de seu primo, o fazendeiro Francisco Guimarães Moreira, mais conhecido como CHICO MOREIRA, convidou JGR a ver a saída de uma boiada de sua fazenda SIRGA, às margens do rio São Francisco, em Três Marias até sua outra FAZENDA-SEDE SÃO FRANCISCO, no município de Araçaí, pertinho de Cordisburgo. JGR não só aceitou o convite, como disse que acompanharia todo percurso.
A viagem ou travessia, como era chamada ocorreu no mês de Maio de 1952 e durou 9 (nove) dias, percorrendo 40 (quarenta) léguas, cerca de 240 (duzentos e quarenta quilômetros).
O desejo de JGR era vivenciar o sertão. Conhecer como era a vida do caboclo, do sertanejo: seus costumes, comportamento, sua linguagem ou jeito de falar, seus sentimentos, etc.
A PARTIDA:
Na manhã do dia da partida, a caravana iniciou a marcha sob a chefia do BOIADEIRO MANUELZÃO, O CAPATAZ da fazenda. Era o homem experiente e de confiança de Chico Moreira. Chico Moreira e seu filho CRIOULO de 17 (dezessete) anos acompanharam a comitiva durante os três primeiros dias observando o ânimo do primo para aguentar a viagem.
MANUELZÃO contou com o auxílio de outros vaqueiros como:
- O ZITO- este era poeta e o cozinheiro, guia e tocador de berrante. Era quem preparava as refeições feitas em fogões em forma de TRIPÉ e servidas quase sempre debaixo de árvores.
- SANTANA- era o vaqueiro mestre, cuja função era não deixar o boi desviar da manada.
- SEBASTIÃO DE MORAIS – vaqueiro muito experiente.
- CRIOULO- jovem de 17 anos e filho de CHICO MOREIRA que acompanhou toda comitiva.
Era o Tião Leite, o Santana, o Sebastião de Jesus, o Gregório, o Manuelzão, o Bindóia, eu e o João Rosa. Tem o Aquiles também, um bom violeiro. Nós levamos trezentos e sessenta bois.
Antes de prosseguir vou tentar esclarecer o significado de alguns termos ou palavras:
FAZENDEIROS- São os donos das FAZENDAS. Administram a propriedade.
VAQUEIROS- cuidam das vacas e dos bois. Tratam (alimentam) os animais, ordenham as vacas, curam feridas e bicheiras e auxiliam o veterinário quando o animal adoece. Geralmente nas pequenas propriedades não existem veterinários. O vaqueiro faz de tudo.
BOIADEIROS – lideram um grupo de vaqueiros conduzindo uma boiada fora da FAZENDA, geralmente em estradas de terra, de um lugar para o outro. O boiadeiro quase sempre, é o vaqueiro mais experiente. ERA TAMBÉM COMPRADOR DE GADO PARA REVENDER.
Para quem gosta de assistir filmes de FAROESTE OU BANG-BANG, aparecem nas cenas estas figuras: FAZENDEIRO, VAQUEIRO E BOIADEIRO.
TRAVESSIA – (ou viagem) foi o nome dado por JGR na condução da boiada.
COMITIVA – é o grupo de boiadeiros e vaqueiros que conduzem a boiada caminhando em estradas de terra: O andar em COMITIVA (juntos e agrupados) era muito importante para proteger o grupo e a boiada de ladrões e assaltantes, muito comum naquela época.
CAPATAZ – É o chefe. É o administrador dos trabalhadores de uma FAZENDA. Geralmente é o vaqueiro mais velho, experiente e de confiança do FAZENDEIRO. Era também quem comprava o gado para o patrão revender.
TANGER A BOIADA – é o ato de tocar (conduzir) a boiada pelos caminhos e estradas de terra.
LÉGUA- medida de distância antiga. Medida itinerária que equivale a 6.000 metros, ou seja, 6 (seis) quilômetros.
MARCHA – era cada dia de caminhada com o gado. A caminhada entre as FAZENDAS SIRGA e SÃO FRANCISCO durou 9 (nove) dias, portanto, durou 9 (nove) marchas.
AGUADAS- eram e são os locais em rios, córregos ou lagoas nas FAZENDAS ou durante as viagens em que o gado desce e bebe água.
PEÃO – era o amansador de animais – CAVALOS, BURROS E BESTAS. Era também condutor de tropa.
ERADO – mais velho – boi erado.
PEÃO DE BOIADEIRO – é a expressão utilizada para definir um tipo de trabalhador especializado em animais – equinos e bovinos. Aquele que monta animais bravios nos rodeios. No passado, a condução de gado em comitiva, de um lugar para outro era muito frequente. Principalmente no norte de MG, NAS REGIÕES DE Montes Claros, Janaúba, Pedra Azul, etc. Os fazendeiros gostavam de comprar gado nestas regiões porque eram animais muito bons e sadios. As distâncias chegavam a 40 léguas, cerca de 360 Km de suas sedes. Para trazer o gado contavam com bons capatazes e vaqueiros de confiança. Eram manadas de 300 / 400 bois já erados com 2/3 anos de idade que, quando chegavam nas fazendas eram engordados e vendidos por bom preço. A boiada, repito, era conduzida em comitiva para proteção contra ladrões e assaltantes, muito comum nas estradas naquela época.
Durante a viagem ocorria de um boi/vaca se perder. Outras vezes adoeciam e morriam. Muitas das vezes os peões e vaqueiros recebiam prêmios pelo número de cabeças que traziam.
Cordisburgo já foi cenário de passagem de muitas comitivas tangendo o gado. Na praça Miguilim, que fica em frente a IGREJINHA DO PATRIARCA SÃO JOSÉ (infelizmente abandonada e se deteriorando), existe o PORTAL GRANDE SERTÃO que retrata muito bem as figuras de cavaleiros- estátuas esculpidas em bronze e em tamanho natural, com a figura do grande escritor e filho da terra JGR.
Nos dias atuais já não existem estas longas viagens em estradas de terra conduzindo o gado a cavalo. São só pequenos deslocamentos locais – de uma fazenda próxima a outra.
Os boiadeiros do passado foram substituídos pelos caminhões boiadeiros nas longas distâncias. Os ladrões e assaltantes de gado de hoje, usam caminhões e carretas para roubar o gado nas fazendas.
CONCLUSÃO
Segundo relatos, a experiência para JGR foi muito boa. Para vivenciá-la, conforme ele mesmo afirma, JGR se transforma em VAQUEIRO VELHO para acompanhar a COMITIVA. Ele não só acompanhou todo o trajeto, como vivenciou como era o seu desejo, a vida do sertanejo.
Foi assim que conseguiu vasto material para sua grande obra literária. JGR captou como ninguém a vida do sertanejo, criando diversos tipos de personagens com o foco no homem do campo.
Durante a viagem ele foi anotando tudo que via e ouvia em sua inseparável cadernetinha que trazia dependurada no pescoço.
Assim se expressou sua prima ENY GUIMARÃES que recepcionou a chegada da comitiva em CORDISBURGO, em seu livro AVE-JOÃO:
“Quase no final da travessia a comitiva chegou a CORDISBURGO, última pousada, antes da chegada na FAZENDA SÃO FRANCISCO EM ARAÇAÍ”
Chico Moreira e seu filho Crioulo foram lá. Queriam ver o desempenho do novo VAQUEIRO. Estiveram também no pouso final TONICO BASTOS e o Dr. JOSÉ SATURNINO.
Cordisburgo, 10 de Agosto de 2021
Sebastião Alvino Colomarte
Da Academia de Letras JGR de Cordisburgo/ MG
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